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Valsa para Bruno Stein

KIEFER, Charles. Valsa para Bruno Stein.  Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986.

Gilmar de Azevedo
Ilustração: Dona Dora

Charles Kiefer (Três de Maio, RS, 1958) é doutor em Linguística e Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), professor adjunto na mesma instituição e desenvolve oficina literária em Porto Alegre. Publicou dezenas de livros, entre romances, novelas, contos, teatro, poesia e ensaios literários. Entre vários prêmios, conquistou o Jabuti em 1984, com a novela O pêndulo do relógio, em 1993, com o livro de contos Um outro olhar, e em 1998, com Antologia pessoal.

Em suas 236 páginas, Valsa para Bruno Stein atrai o leitor com grande densidade dramática em sutis complexidades. A narrativa gira em torno da vida do oleiro Bruno Stein. Ele mora no interior do Rio Grande do Sul, na pequena cidade de Pau d’Arco, com a sua família: a esposa Olga, o filho Luís, que é casado com Valéria, e as quatro netas mulheres, Sandra, Eunice, Luisa e Verônica, a mais rebelde. Com a chegada do jovem empregado Gabriel, a história se desenrola.

O septuagenário Bruno Stein tem fé constante e inabalável, lê a Bíblia com assiduidade, vai ao culto na Igreja Protestante nas manhãs de domingo; frequenta raramente bares do povoado, corridas de cavalo, rinhadeiros, canchas de bocha. Defende com rigidez o trabalho, é exigente com os funcionários, é conservador e metódico. Fala muito mal das novelas televisivas, paixão de suas netas; é contra a separação conjugal e diz que o Apocalipse, por tudo o que estava acontecendo, estava próximo.

O romance é dividido em 3 partes: a primeira, “Figura angelical”, tem 29 capítulos e apresenta o protagonista Bruno Stein: um senhor septuagenário, de origem alemã, empresário, conservador, patriarca da pequena família residente no interior do Rio Grande do Sul. A segunda é “As luzes da cidade” e tem 7 capítulos, que prenunciam mudanças no comportamento do protagonista ao relatar sua ida à igreja, para se reconciliar com Deus. Essa ação desagrada à nora Valéria, para a qual Bruno não estava indo à igreja para se refugiar sob o terrível e vingativo Deus evangélico, e sim para refletir sobre seu amor para com ela sob a égide da culpa por esse sentimento. Além disso, recebem a notícia de que a neta, Verônica, vai morar na capital, Porto Alegre. Para Bruno, a televisão a teria envenenado, despertando no coração dela o desejo e a vaidade do mundo moderno e que o diabo estava rondando a sua vida. A terceira, constituída também de 7 capítulos, é “O incêndio”, e nela ocorre o clímax da narrativa e seu desfecho, com reflexões sobre a dualidade humana.  

A divisão em 3 partes faz analogia ao ritmo da valsa, de compasso ternário, que tem um ponto forte e dois fracos. É possível ainda identificar que o protagonista é o ponto forte da família em contraposição à sua esposa, Olga, e ao seu filho, Luís, que são os fracos. Guarda-se, por meio da narrativa, uma paixão secreta entre Bruno e a nora Valéria, apreço correspondido por ela. Bruno, que é artesão, molda a figura da nora nua, depois de vê-la banhar-se com a porta aberta. Valéria encontra-a na oficina e, assim, descobre o bem querer de seu sogro e atormenta-o em seu sentimento, mas também nutre o mesmo por ele.  

A trama é constituída de frias descrições, dando ênfase ao universo psicológico dos personagens, utilizando-se de linguagem sugestiva, repleta de sinestesias. Depreende-se, nos discursos presentes na narrativa por parte do protagonista, a presença do machismo, do preconceito racial, do medo do comunismo e o apreço exacerbado à religião Luterana, questões que retratam períodos históricos e contextos sociais, inferindo aproximações com a realidade de comunidades alemãs no interior do estado.

O foco narrativo é onisciente, mas interage com o leitor para que se engaje na narrativa. Já no preâmbulo, há o indício do que virá a ser a história, em indicação depreendida a partir da citação: “Grau, teurer freund (sic), ist alle theorie (sic) und grün das (sic) Lebes goldner Baum” (“Cinza, meu caro amigo, é toda a teoria/ e verde os dourados frutos da árvore da vida”), que é do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), em Fausto I (1832). Esse fragmento refere-se ao momento em que Mefistófeles, passando-se por Fausto, aconselha um estudante a desfrutar mais dos prazeres da vida em vez de mergulhar nos estudos. É a conexão com a narrativa do romance de Kiefer, para o protagonista.  

Nessa seara, no personagem Bruno Stein estão marcas da dualidade entre o bem e o mal, com tramas de singularidade e universalidade, ressaltando conflitos internos, principalmente nas esferas amorosa e religiosa. Instaura-se aí o reaproveitamento dos elementos de Fausto para ressignificar o destino do protagonista. Bruno lê a Bíblia, também Fausto, abrindo fendas paradoxais em seu comportamento: da Bíblia, o bem; de Fausto, o mal. Alimentado pela culpa de seu desejo à nora, Bruno chega a ter pesadelos. Em um deles, por exemplo, o pai falecido toca no violino uma “Valsa para Bruno Stein” (Bruno detesta valsa) e sua mãe, falecida, aparece-lhe com a face desfigurada e o convida para dançar.  

Como Fausto, Bruno cede à tentação do diabo ao desejar a nora Valéria. No entanto, na obra de Goethe, Fausto percebe que foi fisgado por Mefistófeles quando descobre que Margarida engravidara e que fora condenada à morte por ter sido acusada de matar o filho. Fausto acaba sendo levado por Mefistófeles, enquanto Margarida recebe a redenção de sua alma. Na obra de Kiefer, Bruno transgride ou ressignifica o mito, o que manifesta na literatura reflexões sobre o dualismo no comportamento humano.

O romance de Charles Kiefer foi adaptado para o cinema, em 2007, por Paulo Nascimento, com título homônimo. No elenco estão, em destaque, Ingra Lyberato, representando a personagem Valéria, e Walmor Chagas, sendo Bruno Stein.    

Para saber mais

EDOM PIRES, Maria Isabel (2012). O imigrante alemão no romance brasileiro da segunda metade do século XX. Iberic@l, p. 97-105. Disponível em: https://iberical.sorbonne-universite.fr/wp-content/uploads/2012/03/002-11.pdf. Acesso em: 8 out. 2024.

MOMBACH, Clarissa (2012). Um Fausto brasileiro? Uma análise intertextual de Valsa para Bruno Stein. Revista Literatura em Debate, v. 6, n. 11, p. 139-153. Disponível em: https://revistas.fw.uri.br/literaturaemdebate/article/view/650. Acesso em: 8 out. 2024.

PANDOLFO DEBORTOLLI, Viviane Aparecida; WERLANG, Gérson (2019). Valsa para Bruno Stein sob a perspectiva teórica estruturalista. REVELL: Revista de Estudos Literários da UEMS, vol.2 (22), p. 506-526.

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Como citar:

AZEVEDO, Gilmar de.
Valsa para Bruno Stein.

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contemporânea, 

Brasília. 

18 mar. 2025.

Disponível em:

4267.

Acessado em:

19 maio. 2025.