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Aos 7 e aos 40

CARRASCOZA, João Anzanello. Aos 7 e aos 40. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

Melissa Suárez

Ilustração: Ruben Zacarias

O menino é o pai do homem. João Anzanello Carrascoza (Cravinhos, SP, 1962) aprofunda esta máxima no seu primeiro romance, Aos 7 e aos 40. Na obra, o autor vale-se de prosa poética para revelar que o preparo emocional do homem de 40 anos ali apresentado deriva diretamente do aprendizado do menino de sete anos que ele foi.

Construída a partir das narrações não sequenciais da memória de menino, em primeira pessoa, intercaladas com os eventos cronológicos em terceira pessoa da vida do homem, o enredo se faz da impregnação de momentos cotidianos do personagem nessas duas fases da sua vida, em descrições de ações mínimas e aparentemente desimportantes. Por exemplo, o mesmo tom de ternura que descreve o barulho da mãe fritando o bife do personagem, quando criança, está no cuidado da sua esposa esquentando o jantar enquanto ele, já adulto, chega do trabalho. A costura do passado e presente se faz através das sensações, intuições e sentimentos do personagem nas suas pequenas epifanias do dia a dia.

O livro é dividido em 12 capítulos: os seis ímpares contam a infância e os seis pares são dedicados à maturidade. A intercalação se faz pela organização dupla de capítulos com títulos antitéticos: Depressa x Devagar, Leitura x Escritura, Nunca mais x Para sempre, Dia x Noite, Silêncio x Som; e Fim se opondo ao último capítulo, Recomeço.

Assim, em “Depressa”, o menino sente que a prima Teresa está triste antes de saber “ler a tristeza”. Logo após, no capítulo “Devagar”, o homem, já letrado, percebe o seu ambiente “como se encontrasse a chave capaz de igualar a sua percepção à voltagem do universo – e assim, atingir um ponto acima daquele que a realidade lhe permitia”.

Os ganchos narrativos para que o leitor perceba que as duas narrativas tratam do mesmo personagem, quando criança e quando adulto, são sutis, mas explícitos. No primeiro pareamento de capítulos, o menino aprende que a classificação das flores dos jardins das casas é monocotiledôneas, e o homem pensa que a espécie do buquê que entrega à sua mulher não tem essa denominação.

Na primeira edição, publicada pela Cosac Naif, ainda há um recurso gráfico na divisão narrativa. Os capítulos do menino ocupam a parte superior da página, sombreada em verde-claro (acompanhando o espaço do número sete do título, na capa), enquanto a metade ou um pouco menos da página se mantém sombreada sem escrita. Nos espaços em que a trama é dedicada ao homem, há uma inversão: a parte superior da página fica sem palavras, enquanto a metade inferior, ou mais, sombreada em verde-escuro é que contém a narrativa (acompanhando o espaço do número 40 do título, na capa).

O personagem principal não é nomeado, nem o são as pessoas mais próximas. Quando menino, estão presentes seu irmão, seu pai e sua mãe. Já na fase adulta, há o amigo com quem assiste ao fim de campeonatos, sua mulher (logo ex-mulher), seu filho e seu irmão. Apenas nas memórias de menino aparecem vários personagens secundários importantes e nomeados: a prima Teresa, tio Zezo e tia Maria, e seu Hermes – o vizinho prestativo que tem vários passarinhos. Também estão os amigos Lucas, Paulinho, Bolão e o professor de educação física, Urso.

A prima Teresa e o professor Urso também são personagens dos contos do livro anterior de Carrascoza, Aquela água toda (Cosac Naify, 2012). É característica marcante de várias de suas narrativas curtas o uso desse estilo que ressalta as percepções e sentimentos nos pequenos vãos do cotidiano. Dessa forma, o que os personagens intuem ou sentem sobre os acontecimentos é tão ou mais importante que os próprios acontecimentos. O até então contista João Anzanello Carrascoza trouxe esse mesmo estilo para sua primeira narrativa mais longa em Aos 7 e aos 40.

Atualmente já reconhecido como romancista, com mais cinco obras publicadas, Carrascoza estreou no romance quando já estava bem estabelecido como escritor de outros gêneros no cenário nacional. Isso ocorreu após uma vasta produção de mais de vinte obras, entre contos e infantojuvenis. Essa escrita constante desde seu início de publicação, na década de 1990, rendeu ao autor vários prêmios, como o da Fundação Nacional do Livro Infantil e Infantojuvenil, o Jabuti, e o da Fundação Biblioteca Nacional, entre outros.

Assim como em vários de seus contos, em Aos 7 e aos 40 nem o tempo nem o espaço são claramente definidos. O menino está no interior. Mora em casa com quintal, onde há uma mangueira alta e boa para subir. Sua casa e as vizinhas são humildes e estão em ruas empoeiradas de terra vermelha. Em viagens que o menino faz, a paisagem vista da estrada da sua cidade e das cidades próximas é de capim-gordura, lavoura, pastos e bagaço de cana espalhado no chão. As cidades de destino dessas viagens são Ribeirão Preto e Serrana, no estado de São Paulo. O tempo desse menino é o de fazer arapucas para pegar pássaros pretos em um sítio próximo, enquanto se vive o falso milagre econômico e a TV noticia que o homem pisou na lua.

Já o homem vive entre edifícios e muros, constantemente inserido em um “mar de carros”, com o tempo do trânsito influenciando constantemente seu dia a dia. Tais descrições mostram que o adulto está no ambiente urbano de uma grande cidade, provavelmente São Paulo, e vive na contemporaneidade, assistindo aos Simpsons na TV e pagando contas pela internet.

Narrado a partir do centro da emoção do personagem, a sensação transmitida pelo romance é a de um tempo do constante agora, por ser o tempo do perceber e pressentir. Quem lê Aos 7 e aos 40 testemunha os personagens no mesmo instante em que o menino aprende a entender as situações e na mesma hora em que o homem as intui.

Enquanto o menino se narra em poucos parágrafos grandes, blocos de texto com muita fluidez de ações, o homem é narrado com muitos recuos e quebras de linha entre as frases ou palavras, como se fossem versos. Isso parece mimetizar, nesse aprendizado da leitura de mundo, que a criança de sete anos sente vários fatos antes de entendê-los. Já o adulto de quarenta anos age, para, sente, lê – para, pressente, entende.

Dessa forma, o menino sente “subindo devagar do fundo de si, o maior entendimento”. Já o homem tem sempre atenção a continuar sentindo e “aprendeu a ir à raiz das coisas” para nutri-las se fossem boas, ou “cortá-las ainda no começo, se lhe parecessem daninhas”. Mas como há no universo o que ainda não é possível de ser lido por esse homem e seu “presente é feito de todas as ausências”, esse adulto, para enfrentar emocionalmente o divórcio e o menor tempo de convivência com o filho, faz o resgate do menino nele, da infância nas suas lembranças e na sua cidade natal. A finalização do romance é do que ele encontra nesse resgate, ou melhor, aquilo que é possível resgatar.

Para saber mais

CASAGRANDE JÚNIOR, Osmar (2017). O narrador no romance Aos 7 e aos 40, de João Anzanello Carrascoza. REVELL: Revista de Estudos Literários da UEMS, Campo Grande, v. 1, n. 15, p. 205-224. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=5915300. Acesso em: 29 jul. 2023.

STAFUZZA, Grenissa Bonvino; OLIVEIRA, Bruno (2021). A constituição do sujeito no espaço-tempo em Aos 7 e aos 40, de João Anzanello Carrascoza. Diálogo das Letras, v. 10, p. e02101. Disponível em: https://periodicos.apps.uern.br/index.php/DDL/article/view/3001. Acesso em: 30 jul. 2023.

VIEIRA, Ednéia Mirante (2018). Espaço e subjetividade no romance Aos 7 e aos 40, de João Anzanello Carrascoza. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários) – Universidade Estadual Paulista – Araraquara. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/154374. Acesso em: 28 jul. 2023.

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Como citar:

SUÁREZ, Melissa.
Aos 7 e aos 40.

Praça Clóvis: 

mapeamento 

crítico 

da 

literatura 

brasileira 

contemporânea, 

Brasília. 

30 set. 2024.

Disponível em:

2597.

Acessado em:

19 maio. 2025.